banner

anuncio

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O que é ser Espírita?




SER ESPÍRITA
por Wagner Ferreira Júnior

O que é ser Espírita?

Raras vezes essa questão é colocada, embora o qualitativo de espírita seja amplamente usado. Neste trabalho pretendemos mostrar como Allan Kardec abordou a questão, em diversas de suas obras.

É interessante observar que no Livro dos Espíritos o termo espírita ainda não aparece como substantivo ou adjetivo aplicado a pessoas. Todavia, na segunda edição – que é de 1860, tendo-se tornado o texto definitivo que usamos até hoje – Kardec considerou a questão que nos ocupa, embora numa formulação diferente. Ele o fez no item 7 da conclusão (na primeira edição não havia conclusão, mas apenas um curto epílogo).
Vejamos o trecho relevante:

O Espiritismo se apresenta sobre três aspectos diferentes: o fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos:

1º Os que crêem nas manifestações e se limitam a comprová-las. 
Para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental;

2º Os que lhe percebem as conseqüências morais; 

3º Os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. (O Livro dos Espíritos, Conclusão, item 7.)


Observa-se que a distinção das três classes ou tipos de adeptos ou de espíritas é feita a partir da distinção de três aspectos do Espiritismo. Hoje em dia é comum falar-se nos três aspectos do Espiritismo como sendo o científico, o filosófico e o religioso ou moral. A distinção que Kardec traça aqui não coincide exatamente como essa distinção contemporânea. 

O primeiro aspecto que ele aponta, o fato das manifestações, consiste simplesmente dos fatos, ou fenômenos espíritas, como os movimentos de objetos, os ruídos, a tiptologia, a vidência, a vidência, a psicografia etc. Embora tais fenômenos sejam de importância capital, por seu papel histórico no surgimento do Espiritismo e por constituírem sua base experimental, eles por si só não constituem a ciência espírita. Nenhuma ciência, aliás, consiste unicamente de uma coleção de fenômenos. Outro ingrediente essencial de qualquer ciência é a teoria, ou seja, o conjunto de leis ou princípios que regulam os fenômenos. Ora, na classificação traçada neste item da Conclusão, tais princípios já integram o segundo aspecto. Deve-se lembrar que, seguindo a forma de expressão da época, Kardec muitas vezes se refere à teoria espírita, mesmo em sua dimensão científica, como filosofia. Assim, quando fala aqui nos princípios de filosofia, certamente inclui os princípios genuinamente científicos do Espiritismo. 

O segundo aspecto do Espiritismo, indicado por Kardec, nessa passagem é, pois, o seu aspecto teórico, numa acepção ampla do termo, que inclui tanto a ciência propriamente dita como a filosofia. 

O terceiro aspecto, a aplicação dos princípios espíritas, remete ao plano prático, ao plano de nossas ações. Naturalmente, essa aplicação dos princípios espíritas só faz sentido para uma classe especial deles, justamente os princípios morais.  Os outros, de cunho mais propriamente científico, não podem ser objeto de aplicação em nossas ações, mas unicamente na análise intelectual que façamos dos fenômenos espíritas e de outros fenômenos relevantes para o Espiritismo. A moral ou ética é a área da filosofia que se ocupa do estudo das ações humanas: os critérios do certo e do errado, do bem e do mal, dos direitos e deveres.Portanto, nesta e nas demais passagens que examinaremos adiante a aplicação ou prática do Espiritismo deve ser entendida como a prática de seus princípios morais. 

Traçada essa distinção entre os três aspectos do Espiritismo, fica naturalmente indicada uma distinção entre os adeptos do Espiritismo. Numa primeira classe, estão aqueles que simplesmente reconhecem que os fenômenos espíritas são reais e não uma fraude ou uma ilusão. A segunda classe é formada por aqueles que, além dos fenômenos, reconhecem os princípios que os regem e os que deles decorrem, por análise filosófica, incluindo-se aí os princípios morais. Na terceira classe, por fim, estão aqueles que percebem a excelência desses princípios morais e os tomam como diretrizes de sua própria conduta ou pelo menos esforçam-se por adaptá-las a eles. 

Kardec sempre enfatizou que o Espiritismo, em particular, jamais poderia ser imposto. A crença em seus fenômenos e princípios só pode ser o resultado da exposição ao corpo de evidência apropriado. Kardec também sabia que o fornecimento de evidência parcial, exclusivamente experimental, em geral é ineficaz até mesmo para produzir crença na realidade dos fenômenos. O Espiritismo tem de ser apresentado e considerado em seu conjunto, fenômenos espíritas, princípios científicos e filosóficos, para que possibilite a formação de crença sólida e fundamentada. 

No Livro dos Médiuns, parágrafo 28, onde reaparece a distinção das três classes de espíritas esboçada na conclusão do Livro dos Espíritos, Kardec destaca a existência de duas classes por assim dizer intermediárias entre a dos adeptos que se convenceram por um estudo direto. São elas: a dos incertos e a dos espíritas sem o saberem. 

Os primeiros são aqueles que, em geral espiritualistas, têm uma vaga intuição das idéias espíritas, mas sem a coordenação e precisão que lhes confere o Espiritismo. Quando este lhe é apresentado, é como um raio de luz: a claridade que dissipa o nevoeiro, acolhem-no então pressurosamente. Quanto à curiosa classe dos que, no fundo são espíritas, mas disso não se dão conta, é formada pelos que jamais terem ouvido tratar da doutrina espírita, possuem o sentimento inato dos grandes princípios que dela decorrem e esse sentimento reflete em algumas passagens de seus escritos e de seus discursos, a ponto de suporem, os que os ouvem, que são completamente iniciados. Kardec nota que a distinção entre essa classe e a precedente é tênue, esta podendo ser considerada uma variante daquela. Talvez o que distinga a segunda, seja um maior grau de coordenação e clareza das idéias. Nota ainda que há numerosos exemplos de indivíduos dessa classe entre os escritores profanos e sagrados, poetas, oradores, moralistas e filósofos, antigos e modernos. 
Um exemplo interessante está relatado na segunda parte da obra O Céu e o Inferno. No capítulo 2, dedicado às comunicações dos Espíritos felizes, há o caso de Jean Reynaud, que em sua última reencarnação levou vida virtuosa. Dentre as questões que lhe foram propostas encontra-se esta: 

P. – Em vida professáveis o Espiritismo? 
R. – Há uma grande diferença entre professar e praticar. Muita gente professa uma doutrina, que não pratica; pois bem, eu praticava e não professava. Assim como cristão é todo homem que segue as leis do Cristo, mesmo sem conhecê-lo, assim também podem ser espíritas, acreditando na imortalidade da alma, nas reencarnações e purgatório no qual o Espírito culposo se despoja das vestes impuras para revestir nova toga, e onde o Espírito, em evolução, tece cuidadosamente essa toga que há de se carregar no intuito de conservá-la pura. Compreendi tudo isso, e, sem professar, continuei a praticar. 

Essa resposta chama a atenção para um ponto central na análise da questão do que é ser espírita. É a aceitação dos princípios básicos do Espiritismo que deve delinear a condição de espírita. Sendo uma disciplina científica e filosófica viva, dinâmica, o Espiritismo tem, e não pode deixar de ter, áreas de fronteira, onde as idéias ainda estão em elaboração e os princípios em fase de teste. Isso não compromete, no entanto, os princípios fundamentais, que constituem o núcleo teórico espírita, já devidamente assentado. 
Jean Reynaud, como muitos outros, reconhecia esse núcleo, embora não o tivesse estudado diretamente nas fontes espíritas. Retrospectivamente, no mundo espiritual, compreendeu que, por essa razão, era espírita, embora sem o saber, ou seja, sem haver explicitamente aplicado a si essa denominação. Além disso, não se contentou em ficar no segundo grau: incorporou em sua conduta, a moral decorrente desses princípios fundamentais. Era, pois, um espírita pleno, da terceira classe. 

Ainda no mesmo parágrafo 28, Kardec apresenta ainda uma última classe, a dos espíritas exaltados. Trata-se de um caso aberrante, que se verifica ainda hoje, e que por isso merece ser anotado aqui. 

4º A espécie humana seria perfeita, se sempre tomasse o lado bom das coisas. Em tudo, o exagero é prejudicial. Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e frequentemente pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame demonstrariam. O entusiasmo, porém, não reflete, deslumbra. Esta espécie de adeptos é mais nociva do que útil à causa do Espiritismo. São os menos aptos para convencer a quem quer que seja, porque todos, com razão desconfiam dos julgamentos deles. Graças à sua boa-fé, são iludidos, assim, por Espíritos mistificadores, como por homens que procuram explorar-lhes a credulidade. Meio-mal apenas haveria, se só eles tivessem que sofrer as conseqüências. O pior é que, sem o quererem, dão armas aos crédulos, que antes buscam ocasião de zombar, do que se convencerem e que não deixam de imputar a todos o ridículo de alguns. Sem dúvida que isto não é justo, nem racional; mas como se sabe, os adversários do Espiritismo só consideram de bom quilate a razão de que desfrutam, e conhecer a fundo aquilo sobre que discorrem é o que menos cuidado lhes dá. 

Tiramos daqui outra lição importante: a de não deixarmos que um entusiasmo exagerado nos faça perder de vista a metodologia eminentemente racional empregada por Kardec no estabelecimento das bases do Espiritismo, e que deve estar sempre presente ao longo do seu desenvolvimento. 

O capítulo 17 do Evangelho Segundo o Espiritismo traz, em seu item 4, um importante texto de Kardec sobre o assunto que nos ocupa neste artigo, intitulado “Os bons espíritas”. Esse texto dá seqüência ao anterior, “O homem de bem”, em que Kardec apresenta a impressionante enumeração das qualidades que distinguem o homem de bem; essa enumeração aproveita e estende a que é feita no item 918 do Livro dos Espíritos. O texto sobre os bons espíritas inicia justamente salientando que Bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, o Espiritismo leva aos resultados acima expostos, que caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão verdadeiro, pois que um o mesmo é que outro. O Espiritismo não institui nenhuma nova moral; apenas facilita aos homens a inteligência e a prática da do Cristo, facultando fé inabalável e esclarecida aos que duvidam ou vacilam. 

Nos parágrafos que seguem, Kardec dirige-se à questão de por que, afinal, há pessoas que ficam no primeiro ou no segundo “graus” da adesão espírita, sem ir adiante. Vejamos como a questão é formulada e respondida no que respeita ao estacionamento na primeira classe: 

Muitos, entretanto, dos que acreditam nos fatos das manifestações não lhes apreendem as conseqüências, nem o alcance moral, ou, se os apreendem, não os aplicam a si mesmos. A que atribuir isso? A alguma falta de clareza da doutrina? Não, pois que ela não contém alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas interpretações. A clareza é da sua essência mesma e é donde lhe vem a força, porque a faz ir direito à inteligência. Nada tem de misteriosa e seus iniciados não se acham de posse de qualquer segredo, oculto ao vulgo. 
  
Será então necessária, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não, tanto que há homens de notória capacidade que não a compreendem, ao passo que inteligências vulgares, moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes apreendem, com admirável precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de que a parte por assim dizer material da ciência somente requer olhos que observem, enquanto a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade, a que se pode chamar maturidade do senso moralmaturidade que independe da idade e do grau de instrução, porque é peculiar ao desenvolvimento, em sentido especial, do Espírito encarnado. 
  
Depois da formulação da questão, Kardec dá uma resposta negativa, por assim dizer: o problema não é nenhuma falta de clareza da teoria espírita. Kardec, aliás, teve sempre uma preocupação extrema com esse aspecto; seus textos são, indubitavelmente, os mais claros, objetivos e precisos textos espíritas já escritos. Também não é por que seja difícil, intricada, como geralmente são as ciências e sistemas filosóficos acadêmicos; nos seus traços fundamentais a teoria espírita é bastante acessível à inteligência de um ser humano comum. 
  
A razão pela qual alguns se limitam a observar e comprovar os fenômenos é a deficiência de uma sensibilidade especial a que Kardec chama de senso moral. Essa expressão já tinha sido usada por alguns filósofos acadêmicos que estudaram a questão da fundamentação da ética. Mas parece que o sentido pretendido por Kardec aqui é mais amplo: o de uma faculdade geral do ser humano, que o leva a ir longe na exploração das implicações filosóficas de um conjunto concreto de fatos ou idéias. 

Chama isso de senso moral certamente porque, no caso em foco, trata-se principalmente (mas não exclusivamente) de perceber as conseqüências morais dos fatos espíritas. Como as palavras finais de Kardec sugerem, essa faculdade não se adquire de uma hora para outra, requerendo um longo período de amadurecimento, que certamente se estende por inúmeras encarnações. Quando, pois, estivermos diante de um caso desses, de aparente “renitência”, pode não se tratar simplesmente má-vontade ou interesse (o que também existe; ver o capítulo “Do método” do Livro dos Médiuns). Estejamos igualmente cientes de que nem sempre os nossos melhores esforços em fornecer à pessoa as evidências sólidas a favor da teoria espírita serão coroados de êxito, para o seu convencimento. Há um tempo para tudo, e o tempo da pessoa pode ainda não ter chegado. 
  
No parágrafo seguinte Kardec explica por que algumas pessoas podem estacionar na segunda classe, não se preocupando em aplicar as máximas morais espíritas à sua própria conduta: 
  
Em alguns, ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do infinito, donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores nem com seus hábitos, não percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que são dotados. 

Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam mais do que um raio de luz, insuficiente para guiá-los e para lhes facultar uma vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações. Atêm-se mais aos fenômenos do que a moral, que se lhes afigura cediça e monótona. Pedem aos Espíritos que incessantemente os iniciem em novos mistérios, sem procurar saber se já se tornaram dignos de penetrar os arcanos do Criador. Esses são os espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se afastam de seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas ou das prevenções. Contudo, a aceitação do princípio da doutrina é um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, noutra existência. 
  
As razões, portanto, que por vezes nos deixam na condição de espíritas imperfeitos (segunda classe) ligam-se ao cultivo de velhos hábitos morais, à relutância em romper com tendências ancestrais da personalidade humana, mesmo quando reconhece intelectualmente a sua inconveniência. 
  
Finalmente, os que se dispõem superar os traços indesejáveis de seu caráter são os que passam à condição de verdadeiros espíritas: 
  
Aquele que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha em grau superior de adiantamento moral. O espírito, que nele domina de modo mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os princípios da doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam inertes. Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé. Um é qual músico que alguns acordes bastam para comover, ao passo que outro apenas ouve sons. 

Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más. Enquanto um se contenta com o seu horizonte limitado, outro, que apreende alguma coisa de melhor, se esforça por desligar-se dele e sempre o consegue, se tem firme a vontade. 

Nas três obras analisadas nas seções precedentes, notamos que, ao caracterizar os verdadeiros espíritas, Kardec tem o cuidado de não incluir a perfeição moral, nem a reforma moral instantânea, mas o esforço perseverante de aperfeiçoar-se. No texto do Evangelho há, como vimos, um arrazoado sobre as causas de nossa dificuldade em promover essa reforma, dificuldade que, nos casos mais graves, pode temporariamente reter-nos na classe dos espíritas imperfeitos. 

Em dois dos ensaios da 1a parte de Obras Póstumas esse assunto é retomado de forma mais extensa. Como cada um de nós experimenta, com maior ou menor freqüência e intensidade, a inércia que tende a nos manter moralmente como estamos, vale a pena meditarmos sobre essas lúcidas considerações de Kardec. 
  
Uma primeira referência ao assunto é feita no importante ensaio intitulado “O egoísmo e o orgulho”. Vejamos sua parte final: 
  
O Espiritismo é, sem contradita, o mais poderoso elemento de moralização, porque mina pela base o egoísmo e o orgulho, facultando um ponto de apoio à moral. Há feito milagres de conversão; é certo que ainda são apenas curas individuais e não raro parciais. O que, porém, ele há produzido com relação a indivíduos constitui penhor do que produzirá um dia sobre as massas. Não lhe é possível arrancar de um só golpe as ervas daninhas. Ele dá a fé e a fé é a boa semente, mas mister se faz que ela tenha tempo de germinar e de frutificar, razão por que nem todos os espíritas já são perfeitos. Ele tomou o homem em meio da vida, no fogo das paixões, em plena força dos preconceitos e se, em tais circunstâncias, operou prodígios, que não será quando o tomar ao nascer, ainda virgem de todas as impressões malsãs; quando a criatura sugar com o leite a caridade e tiver a fraternidade a embalá-lo; quando, enfim, toda uma geração for educada e alimentada com idéias que a razão, desenvolvendo-se, fortalecerá, em vez de falsear? 

Sob o domínio destas idéias, que se terão tornado a fé comum a todos, não mais esbarrando o progresso no egoísmo e no orgulho, as instituições se reformarão por si mesmas e a Humanidade avançará rapidamente para os destinos que lhe estão prometidos na Terra, aguardando os do céu. 
  
A outra passagem de Obras Póstumas sobre o aperfeiçoamento moral dos espíritas está no ensaio “Os desertores”. Como indica o título, o ensaio trata daqueles que, dentro do movimento espírita, cultivam discórdias e ciúmes, levantam questões irritantes, propõem cisões, ou tomam-se de entusiasmo irrefletido e danoso. De forma bastante significativa, Kardec chama-os de espíritas de contrabando, já que adentraram o meio espírita sem a devida “chancela” moral. Pois bem: depois de alertar-nos quanto a esse caso, Kardec prossegue: 
  
Se passarmos à categoria dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos com certas fraquezas humanas, das quais a doutrina não triunfa imediatamente. As mais difíceis de vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões fundamentais do homem. 

Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima acepção do termo, visto como aquele que desertasse, por motivo de interesse ou qualquer outro, nunca teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver desfalecimentos. 
Pode dar-se que a coragem e a perseverança fraqueiem diante de uma decepção, de uma ambição frustrada, de uma preeminência não alcançada, de uma ferida no amor-próprio, de uma prova difícil. 

Há o recuo ante o sacrifício do bem-estar, ante o receio de comprometer os interesses materiais, ante o medo do «que dirão?»; há o ser-se abatido por uma mistificação, tendo como conseqüência, não o afastamento, mas o esfriamento; há o querer viver para si e não para os outros, o beneficiar-se da crença, mas sob a condição de que isso nada custe. Sem dúvida, podem os que assim procedem ser crentes, mas, sem contestação, crentes egoístas, nos quais a fé não ateou o fogo sagrado do devotamento e da abnegação; às suas almas custa o desprenderem-se da matéria. Fazem nominalmente número, porém não há contar com eles. 
  
Todos os outros são espíritas que em verdade merecem esse qualificativo. Aceitam por si mesmos todas as conseqüências da doutrina e são reconhecíveis pelos esforços que empregam por melhorar-se. Sem desprezarem, além dos limites do razoável, os interesses materiais, estes são, para eles, o acessório e não o principal; não consideram a vida terrena senão como travessia mais ou menos penosa; estão certos de que do emprego útil ou inútil que lhe derem depende o futuro; têm por mesquinhos os gozos que ela proporciona, em face do objetivo esplêndido que entrevêem no além; não se intimidam com os obstáculos com que topem no caminho; vêem nas vicissitudes e decepções provas que não lhes causam desânimo, porque sabem que o repouso será o prêmio do trabalho. Daí vem que não se verificam entre eles deserções, nem desfalecimentos. 

Bibliografia:

Chibeni, Silvio Seno. Mundo Espírita, julho de 2003, caderno especial.
Kardec, Allan. Livro dos Espíritos.
Kardec, Allan. Livro dos Médiuns.
Kardec, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo.
Kardec, Allan. O Céu e o Inferno.
Kardec, Allan. Obras Póstumas.

Wagner Ferreira Júnior
Grupo Espírita Allan Kardec
www.luzdoespiritismo.com

Twitter - Siga-me!

Seguidores